sexta-feira, 1 de maio de 2009

INDÍGENAS DA CIDADE DE SANTA ISABEL DO RIO NEGRO

Indígenas da cidade de Santa Isabel do Rio Negro (SIRN) e os conflitos decorrentes.
Elio Fonseca Pereira
São Paulo, 01 de maio de 2009.

A cidade de Santa Isabel do Rio Negro (Tapuruquara) é uma cidade ribeirinha localizada à margem esquerda do rio Negro, estado do Amazonas. Nessa primeira década do século XXI, a cidade parece concentrar a metade da população do município. Estima-se que moram na cidade aproximadamente 7000 pessoas. Segundo o levantamento socioambiental realizado na cidade, essas pessoas se auto-identificaram como pertencentes às etnias indígenas Baré, Tukano, Baniwa, Pira-Tapuya, Tariano, Desana, Arapasso, Tuyuca, Cubeo e Curipaco. Aproximadamente 1/5 dos moradores da cidade declaram ser ‘brancos’ ou ‘caboclos’, alguns declaram não saber da sua identidade étnica.
Esses dados podem ser confirmados por um contato visual. Um turista português ao caminhar pelas ruas da cidade em novembro de 2006 constatou e descreveu o ‘rosto indígena’ de SIRN: [...] maioria desta população, diria mesmo 90% é índia ou descendente de índio. Não é preciso ser turista para constar o ‘rosto indígena’ da cidade. Basta que cada uma das pessoas deixem de ser ‘preconceituosas consigo mesmas’.
Nós indígenas isabelenses, fomos educados a ‘não gostar de nós mesmos’. Assim tudo o que se refere aos indígenas é ridicularizado: o índio é burro, o índio é feio, o índio é canibal, o índio é preguiçoso, o índio é sujo, o índio fala outra língua... Tem infinitos adjetivos preconceituosos. Tudo isso nós ouvimos desde que nascemos. Em casa pelos nossos próprios pais, nas escolas pelos colegas e o que é mais grave ouvimos dos nossos próprios professores e demais profissionais da educação. Tudo é ridicularizado: o chibé, a roça, a canoa, o arco e a flecha, a quinhapira, o aturá, o peixe moqueado... Andando pelas ruas da cidade podemos ouvir expressões, como: Nem de índio eu gosto; Mais por fora de que bunda de índio; Atrasado igual índio; entre outros. Às vezes essas expressões são dos próprios indígenas. Essas expressões são preconceituosas. Preconceito é crime.
Outro exemplo que pode estar relacionado à ridicularização do indígena na cidade de SIRN é na hora de extremo stress, principalmente, nos conflitos familiares. Nessas horas saem às expressões: Vocês são índios; Seu filho é índio; Sua filha é índia; Seu índio; entre outras. Todas pronunciadas num tom alterado no sentido de humilhar a outra família.
O resultado desse processo tem levado as pessoas negarem sua identidade indígena. Essa negação é evidente na reação das pessoas quando abordadas e perguntadas se ‘são indígenas’ ou se tem ‘descendência indígena’. A resposta é sempre não, e não se fala mais nada. Do meu ponto de vista essa negação tem gerado conflitos internos nas pessoas. Esses conflitos geram uma população com a fisionomia indígena, mas, com a alma não-indígena (eu diria ‘alma branca’). Conflitos que se estendem não só no âmbito individual como também no social e político, dificultando a execução de políticas publicas de educação, saúde e turismo no município.
Esse é um desafio de longo prazo para o sistema educacional de SIRN em parceria com as associações indígenas existentes no município. As pessoas que moram na cidade de SIRN precisam ser educadas a ‘gostar de si mesmas’. Isso os levará a gostar dos semelhantes e amar a cidade.
Os Baré, Tukano, Baniwa, Pira-Tapuya, Tariano, Desana, Arapasso, Tuyuca, Cubeo, Curipaco, Nadeb e Yanomami são pessoas que precisam se valorizar e ser autores de sua própria história.
Se falamos o Nhengatu, o Tukano, o Baniwa, Nadeb, Yanomami, inglês, francês, espanhol ou outras línguas, vamos escrever, falar e cantar nessas línguas. Vamos nos sentir a vontade para falar nossas línguas. Vamos ficar a vontade para tomar o nosso chibé, comer a nossa quinhapira e o curadá, remar na nossa canoa (se motorizada melhor), cuidar das nossas roças em qualquer hora e em qualquer lugar.
E os não-índios de SIRN? Eles irão aprender conosco tudo aquilo que de diferente nós sabemos. Afinal tem indígenas que não falam e não entendem sequer a língua de seus pais. Esses também precisam aprender o que ficou proibido de se aprender durante muito tempo.
Ser indígena na cidade de SIRN é ser Baré, Tukano, Baniwa, Pira-Tapuya, Tariano, Desana, Arapasso, Tuyuca, Cubeo, Curipaco, Nadeb e Yanomami. Caso pergunte se você é indígena, diga que sim e a sua etnia; caso você, não seja indígena, diga que não. Diga que você é descendente de brancos alemães, holandeses, irlandeses, espanhóis, portugueses ou outros povos não indígenas para os visitantes não se confundam com sua identidade étnica.
Para saber se você é indígena converse com seus pais, tios, avós. Assim você poderá contar a sua própria história.
É com esse pensamento que defendo questão indígena no rio Negro. É com essa convicção que consigo superar os preconceitos por onde ando. É assim que escrevo minha história indígena.

Elio Fonseca Pereira
Etnia Piratapuya
Pós-Graduando em Educação na PUC/SP
Movimento Indígena de SIRN desde 1994
(11) 84230369

Referência

Santa Isabel do Rio Negro (AM) : situação socioambiental de uma cidade ribeirinha no noroeste
da Amazônia brasileira / organização Carla de Jesus Dias. -- São Paulo : Instituto
Socioambiental ; Santa Isabel do Rio Negro, AM : ACIMRN - Associação das Comunidades
Indígenas do Médio Rio Negro : São Gabriel da Cachoeira, AM : FOIRN - Federação
das Organizações Indígenas do Rio Negro, 2008.

Artigo consultado
Santa Isabel do Rio Negro – AM é 90% indígena. COIAB, 2008

Blog consultado
http://amazonianomada.blogspot.com/2006/11/santa-isabel-do-rio-negro.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

SANTA ISABEL - AMAZONAS 90% INDÍGENA

Santa Isabel do Rio Negro – AM é 90% indígena.


São Paulo, 17 de fevereiro de 2009

Na última década do século XX, o município de Santa Isabel do Rio Negro (Tapuruquara), no Estado do Amazonas, passava por um processo de transformação sócio-polítco-cultural. Nos primeiros anos da década de 1990 houve uma grande invasão garimpeira entre a foz do rio Marie e a cidade de Santa Isabel. Os garimpeiros após serem expulsos do rio Cauboris (Área Indígena Yanomami) ficaram na calha do rio Negro. Os impactos socioambientais dessa invasão foram diversas: introdução de uma grande quantidade de pessoas estranhas, aumento de entrada de bebidas alcoólicas e outras drogas, degradação dos canais naturais de navegação, surgimento de cadáveres no rio, mortes por arma de fogo a luz do dia, roubos, encarecimento dos preços dos alimentos e demais produtos de primeira necessidade, prostituição, contaminação do rio por mercúrio.

Os moradores das ‘comunidades isabelenses’ ficaram expostas a essa transformação. Os garimpeiros não tinham nenhum interesse no melhoramento da qualidade de vida daquelas populações – somente no ouro. Para fazer frente a essa invasão foi necessário uma grande mobilização de várias instituições entre elas a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), IBAMA, Polícia Federal e a Prefeitura Municipal de Santa Isabel do Rio Negro (Prefeito Sérgio da Silveira Cardador 1993/96). O resultado dessa parceria foi a expulsão dos garimpeiros do rio Negro.

No sentido de garantir a preservação sócio-político-cultural das populações que lá moravam, houve a mobilização para discutir a possível identificação, demarcação e homologação daquelas terras, tendo em vista que a população daquelas comunidades era ‘indígenas’ e precisavam da garantia constitucional dos seus direitos.

Foram realizadas grandes mobilizações que resultou na formação de uma das primeiras organizações indígenas no médio rio Negro - a Comissão de Articulação das Comunidades Indígenas e Ribeirinhas (CACIR/1992), sediada na comunidade indígena de Uabada II, Ilha de Uábada. Na sede do município só aconteceu a primeira grande assembléia indígena em 1994, que resultou na formação da segunda organização indígena sediada na cidade – a Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (ACIMRN). Essas mobilizações tiveram apoio do Centro Indigenista Missionário (CIMI), Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e apoio local dos Salesianos. As organizações formadas assumiram o compromisso de lutar pela garantia dos direitos indígenas, pela demarcação das terras, pela educação, saúde e valorização cultural.

Aos 18 anos do Movimento Indígena no município de Santa Isabel do Rio Negro é possível enumerar avanços e desafios. Os avanços não são muito perceptíveis, mas, representam importantes passos na preservação sócio-político-cultural das populações indígenas do município.

1- Organização das comunidades de Santa Isabel do rio Negro em associações indígenas;
2- Demarcação das terras indígenas Médio Rio Negro I, II e Teá;
3- Organização das comunidades indígenas do rio Preto e Padauiri em associação indígena;
4- Construção das estruturas físicas da ACIMRN e CACIR
5- Aquisição de equipamentos para as associações: canoa de alumínio, motores de popa, rádios de comunicação, computador.
6- Parcerias entre o Instituto Socioambiental, ACT Brasil, Iphan e outras Instituições de pesquisa científica.
7- Criação de 28 escolas indígenas
8- Realização do Levantamento Socioambiental na cidade de Santa Isabel em parceria com o ISA, FOIRN, 2006;
9- Identificação de novas terras indígenas
10- Realização de expedição de declarações e carteiras indígenas para fins de estudos, aposentadoria e demais necessidades.

Entre as realizações da ACIMRN, o Levantamento Socioambiental realizada na cidade de Santa Isabel é de fundamental importância, pois, mostra que 80,96% declaram pertencer a uma etnia indígena. Desses 59,38% declaram pertencer a etnia Baré. Outras etnias declaradas foram Tukano, Baniwa, Pira-Tapuia, Tariano, Desana, Arapasso, Tuyuca, Cubeo e Curipaco.

Se levar em consideração a população das comunidades indígenas do município pode-se chegar a um percentual de 90%. Esse percentual já era divulgado pelos membros da Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (ACIMRN) e o Levantamento Socioambiental veio a confirmar.

Embora seja visível o avanço do Movimento Indígena no município, alguns desafios precisam ser superados. Entre os quais pode ser citada a ausência de apoio financeiro institucional para as associações indígenas. Esse apoio poderia dar maior mobilidade e dedicação exclusiva das lideranças ao movimento. Pois, atualmente, a maioria dos membros da diretoria divide seu tempo com o emprego público. Também, pode ser citado, o embate político entre os membros da diretoria. Esse de âmbito interno.

Contrastando os avanços e os desafios do Movimento Indígena no município de Santa Isabel do Rio Negro, o fato evidente é a autodeclaração de pertencimento a uma etnia indígena. Isso pode ser interpretado como uma ação do Movimento Indígena na cidade que até a década de 1980 não se falava na existência de indígenas no município. Hoje é possível afirmar que a população do município é de 90% indígena.


Elio Pereira
Presidente da ACIMRN-2002/2005
Diretor da FOIRN – 2005/2007
Contato: (97)34411288
(11)84230369
e-mail: eliofonsecapereira@ig.com.br